«Estou a ferver de raiva, no entanto não posso mostrá-lo. Apetecia-me gritar, bater o pé, dar-lhes um bom abanão, chorar, e nem sei que mais, por causa das palavras desagradáveis, olhares trocistas e acusações que me lançam dia após dia, que me perfuram como setas lançadas por um arco, quase impossíveis de arrancar do corpo. Gostava de lhes poder gritar a todos: - Deixem-me em paz, deixem-me ter pelo menos uma noite em que não chore até adormecer, com os olhos a arder e a cabeça a latejar. Deixem-me fugir, fugir de tudo, fugir deste mundo!
Mas não posso fazer isso. Não posso permitir que vejam as minhas dúvidas, ou as feridas que me infligiram. Não suportaria a sua simpatia ou o seu escárnio bem-humorado. Isso só me faria querer gritar mais.
Todos pensam que me estou a exibir quando falo, que sou ridícula quando me calo, insolente quando respondo, matreira quando tenho uma boa ideia, preguiçosa quando estou cansada, egoísta quando dou uma dentada a mais do que devia, estúpida, cobarde, calculista, etc., etc. Todo o dia não oiço outra coisa a não ser que sou uma criança exasperante e, embora eu me ria e finja que não me importar, importo-me. Gostava de poder pedir a Deus que me desse outra personalidade, uma personalidade que não antagonizasse toda a gente.
Mas é impossível. Estou limitada ao carácter com que nasci, e contudo tenho a certeza de que não sou uma pessoa má. Faço o meu melhor para agradar toda a gente, mais do que lhes passaria pela cabeça num milhão de anos»